José Castro Caldas

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    Público

    Regresso à comunidade do Tiririca, na RDS do Rio Negro, Amazonas Brasil em 2019

    A obra da Pousada da comunidade do Tiririca, na Reserva de desenvolvimento sustentável no Rio Negro, Amazonas, começou em Junho de 2011 e em Abril de 2019 ainda não terminou.
    O projecto inicial foi alterado e dos três módulos propostos, só vão construir dois. Note-se, a desilusão não é por um rigor na concretização formal do desenho, mas pelo desvio do programa. O primeiro módulo pretendia ser um espaço de chegada/recepção, com um balcão para cozinhar em que só as diferentes plataformas a cotas diferentes distinguiam o uso/programa. Não tinha divisões, era todo aberto, com uma enorme árvore como p(l)ano final, a copa complementava a cobertura, por economia de recursos e, acima de tudo, porque a sombra de uma árvore, ali, é o melhor refúgio que se pode ter do Tempo.
    Na transformada realidade, essa plataforma não foi feita, perdeu-se para umas traseiras de uma cozinha, que é agora uma divisão fechada. Como o módulo dos quartos não está concluído não é possível uma autonomia na gestão duma ocupação enquanto pousada. Um hotel vizinho, parte de uma cadeia maior e com outro potencial de operações, vai-se aproveitando assim desta estrutura e disponibiliza aos seus hospedes um programa que inclui uma visita a uma (esta) comunidade. O almoço é todo preparado no e pelo pessoal do hotel e só o peixe é grelhado na comunidade (contribuindo com um valor ridículo para quem grelha…). Tornou-se um espaço sem surpresas, um cenário de floresta e rio incrível mas com um restaurante de lógica igual ao que se repete em qualquer outro sítio pelo Mundo fora. A comunidade fica ao serviço de quem a visita. Para o visitante, a sua curiosidade esgota-se no contacto por atendimento, de quem faz um pedido e senta-se à mesa com as mesmas pessoas com que chegou e tem as mesmas conversas que teria em qualquer outro lugar.

    Estas comunidades (em especifico desta área) são consequência das grandes migrações para extracção de latex e comercialização de borracha durante o séc. XX. Portanto, o isolamento destas comunidades não é tanto cultural, é mais geográfico. A ONG “Fundação Amazonas Sustentável” desenvolve um programa de apoio a estas comunidades ribeirinhas de financiar projectos de geração de renda comunitária. Quando cheguei, o programa já estava decidido pela comunidade por uma pousada. O desenho de dividir em vários módulos era tanto por uma questão de escala das edificações, como também para fazer valer o conceito de espaço comunitário num contexto tão isolado. Dois módulos directos na resposta a alojamento, quartos, instalações sanitárias etc e um primeiro, o principal, disponível para quem ali vive ao receber visitantes, poder espreitar para fora – Reservando o resto da comunidade a quem não quer ser importunado – A cozinha em modo balcão no centro, é o mote ideal de desbloqueio de timidez, cozinhar tanto podia ser uma colaboração como tão fácil tema de conversa. Aquele lugar, não precisava de estar refém de uma prestação de serviço, podia ser só, que é tanto, uma oportunidade de curiosa partilha de conhecimento.

    É isto que eu penso que se perdeu, uma pequeníssima janela de oportunidade em lutar por um preconceito que lá já se vê representado no mais alto cargo politico Brasileiro. Assim, como está, tornou-se um equipamento parte de um pacote de quem vende “experiências” a quem viaja com o intuito de cumprir uma expectativa. Viagens que nada acrescentam. O modelo que se construiu já se percebeu que falhou, mas ao não ser como foi desenhado, não há maneira de ver como podia ter sido.



    Data: 2019