José Castro Caldas

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  • Artigo para a revista “UP”
    Público

    “RUTZ – global generation travelling” é um filme de António Faria e meu sobre uma viagem pela América do Sul de mochila ás costas. Da passagem por Argentina, Paraguai, Chile, Bolivia, Peru, Equador e Colômbia, resultaram mais de 24 horas de filmagens para editar. Quando fui viver para a Argentina retomámos mais seriamente uma conversa que vinha já desde os tempos de faculdade, fazer um documentário sobre uma viagem. Tinha uma bolsa de nove meses para trabalhar num escritorio em Buenos Aires, terminava em Março de 2011. O António comprou a passagem para essa data e regresso a partir de Bogotá, Colombia. E assim seguimos com essas certezas de datas e alguns pontos imprescindiveis de visita. O percurso, esse, fomos decidindo ao longo do caminho! Durante dois meses e meio carregámos às costas o minimo indispensável. Viajar é tão importante como os destinos e a facilidade de deslocamento uma prioridade para um backpacker. Nós, adicionávamos o material de filmagem. Quilos, esforço e preocupação extra que foram sendo superados pelo alento de finalmente cumprir um longo objectivo. O primeiro impacto a viajar pela América do Sul é uma percepção da cândida escala humana na natureza, os destinos são separados por longas (enormes!) distâncias. E porque a maioria da população se concentra nos grandes centro urbanos, são (largos)quilómetros em que a unica humanização são as estradas em que circulamos. Como alguem durante a viagem nos disse: “muitas vezes, o mais interessante não são os destinos, mas sim o caminho entre eles” – Sem duvida! Cataratas de Iguaçu, os Andes, a Patagónia, o deserto são perfeitos exemplos de cenários que impressionam de monumental e consensual beleza! No entanto, (numa distinta excepção) existe Machu Pichu. Ali, o Homem mostrou humildade, respeitou a imponencia da natureza num horizonte de infintas montanhas, não se intimidou e complementou – Fez
    aquele cume, igual aos outros, ser especial.
    No entanto, para lá chegar, foi bem complicado…
    Tudo começou em Cuzco, um luxo de ponto obrigatório de passagem para Machu Picchu, cultura Inca e colonial numa feliz mistura. Para chegar ao templo sagrado do Incas, nas poucas alternativas de acesso, optámos pela mais barata. Ignorámos ou não demos especial importância aos constantes avisos de não optar por este caminho em época de chuvas, a diferença de custo cegou-nos a ponderação e seguimos por Santa Maria. Uma estrada alucinante, em que ainda parámos a meio para consertar a suspensão do autocarro, com ajuda de todos e com os meios… disponiveis. Sete horas depois chegámos. Uma aldeia que não tinha mais que 90 pessoas, 50 eram turistas – Tinham optado pela mesma alternativa ao (muito caro) comboio. Arrancámos no dia seguinte e não sabiamos a aventura em que nos íamos meter. Os avisos tinham razão de ser. Choveu muito, havia muitas derrocadas, as estradas estavam, assim, cortadas. Os carros não passavam, teriamos que caminhar. Levaram-nos até ao primeiro derrube em que as pedras tornavam impossivel o acesso até de motas. Éramos neste ponto de transição e duvida dez, um grupo multicultural: casal de japoneses (a viajar pelo mundo e mal falavam outra lingua), casal de Ingleses, um Italiano, um casal de uma alemã e mexicano, uma brasileira e nós (e o equipamento, que não ia ficando mais leve…). Sem saber a distância que era necessária percorrer nem o tempo que iria demorar – Era impossivel saber quando retomaria a estrada para Santa Teresa – Decidimos todos, o trajecto parecia óbvio,
    íamos seguir a estrada a pé.
    Uma longa caminhada em que os obstáculos aparaceram numa ordem evoluindo em dificuldade que por tão coerente parecia mais que coincidência. Primeiro uma pequena corrente de água – Facil; paragem para refrescar e um breve descanso. Segue-se uma maior – nivel médio; gracejou-se na altura que as contrariedades iam aumentado gradualmente e ainda mal sabíamos o que aí vinha… Uns quilómetros depois um verdadeiro dilúvio a cortar a estrada… Impossivel se não estivéssemos em grupo (O António ainda assim, lembra-se. Prepara monopé, escolhe enquadramento e regista) Formou-se uma corrente humana e conseguimos passar. Um companheirismo dificil de explicar. Tinhamo-nos acabado de conhecer, mas gerou-se uma incrivel e genuína solidariedade entre todos. Ainda uma enorme derrocada com pedras a cair, e a ponta final, uma caminhada quase escalada pela mata, sem comida e sem ter quase comido. O peso das malas mais o material de filmagem. E a
    preocupação (constante) de registar mesmo que o cansaço insista em dificultar. Desistir não era opção estávamos num ponto sem retorno, ninguem admitiu na altura, mas a todos preocupou o dia quase a escurecer. Não sabíamos onde era o fim, quando chegaríamos, quanto faltava (nunca soubémos!)? Uma descida, e aberto. Plano, filma – exaustos – o cenário majestoso de vertigem para baixo num percurso (minimo) delineado pelo serpenteado do vale que encaminhava uma corrente poderosa de águas barrentas, o som era ensurdecedor. Até que finalmente avistámos pessoas, um táxi, o outro lado da estrada, o recomeço transitável para Santa Teresa – Chegámos! A euforia foi celebrada em conjunto! Negociar conosco foi fácil, estávamos por tudo, Queríamos o primeiro transporte que nos levasse sem mais esforço.
    Pernoitámos lá e seguimos cedo para Águas Calientes, outra vez a pé, mas este bem mais tranquilo. À noite, a celebração em grupo. Reunimo-nos na cozinha e cada um fez o que pôde e sabia, partilharam-se receitas culinárias mas acima de tudo partilhou-se conversa e risos, numa relação que veio por necessidade, era agora familiar. Mantivemos (mantemos) contacto com todos através das redes sociais e inclusivamente reencontrámos, alguns mais tarde em outros sitios, na continuação da viagem.
    Estes e tantos outros momentos ficaram, não só registados no nosso património de memórias, como pela câmara. Histórias que as pessoas que fizeram uma viagem dentro deste mesmo registo se podem identificar, não de forma directa, de uma história exactamente igual; mas da onda, dos imprevistos que surgem e das pessoas que se conhecem.
    Interessou-nos documentar isso, a viagem e o espirito social em redor do movimento Backpacking. Não somos os primeiros a viajar de mochila ás costas, nem inventámos esta forma de viajar. Mas nunca como agora foi tão massivo e global. Não interessa os motivos ou duração. A curiosidade por outros meios sociais, por outras culturas, projecta-nos numa jornada por vezes transformadora e marcante mas nunca indiferente ou irrelevante. Esse percurso, para além dos sitios incriveis que se visitam e o intercâmbio cultural com a população local, permite também conhecer outros viajantes de todos os lados, que, embora de origens diferentes, partilham a mesma vontade e curiosidade. As redes sociais seguem depois como meio de manter contacto constante, multiplicam-se contactos. Constroem-se amizades mundialmente!



    Data: 2012