José Castro Caldas

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  • Notas de uma “viagem aos confins do mundo”
    Público

    “Viagens aos confins do Mundo” Foi uma viagem que fiz em 2013, com passagem por: Pequim, Macau, Hong Kong, Singapura, Malásia, Tailândia, Laos, Vietname, Cambodja.

    Cerca de 1/3 da viagem cumprido, preparo a minha saída da Tailândia – Infelizmente – o meu visto está a acabar. De Chiang Rai procuro o meio mais barato para chegar até á fronteira. Vou com um dia de avanço, para o caso de haver um imprevisto. À partida não haveria problema, é uma distância curta, mas nunca se sabe. E se há sitio que não me apetece ter chatices é nas fronteiras. Há um autocarro que por 50 centimos faz o percurso em duas horas. Perfeito! Compro o bilhete e com a gesticulação de dentro da cabine percebo que tenho que me despachar – São dezenas de autocarros, faço lá eu ideia de qual é que é! – De todo o lado gritam diferentes destinos e seduzem-me que entre, lá no fundo consigo distinguir a placa com o nome do meu destino. Vou directo ignorando os vários apelos, sorrindo e apontando para o escolhido.Um autocarro, igual a tantos outros e que poderia enquadrar em muitos dos países que já visitei. Os olhos rasgados denunciam a cultura local. Mas como nos outros sitios em que identificava o mesmo ambiente, aqui, dentro do autocarro, tambem existe a consciencia colectiva. Não que me sinta “inserido” e que tenha uma ideia de como é fazer parte desta rotina, mas durante aquele trajecto, estamos juntos e partilhamos o mesmo objectivo, ir de Chiang Rai até à cidade fronteiriça de Xiang Chong, no entretanto somos todos o mesmo. Nestes destinos onde a carencia financeira é mais acentuada, a solidariedade é mais evidente. O autocarro vai sobrelotado mas abre-se sempre espaço para mais um. Todos entendem e colaboram. Se alguem traz mercadorias, inventam-se soluções de ocupação do espaço. É o sustento de outro, para consumo ou para gerar renda, ninguem interroga, respeita-se. Neste fui sentado, levantei-me para dar lugar a uma senhora, sentei-me novamente, levei uma caixa de pacotes de leite ao colo, ajudei na passagem de malas, pacotes até de pneus! No fim uma criança encostada no meu ombro, cedia perante a intensidade de tanta movimentação, naquele sono profundo que a fase adulta jamais consegue repetir. Aqui a comunicação é muito dificil, as expressões faciais e gestos desbloqueiam nas mensagens mais simples, mas acima de tudo os gestos de boa vontade não têm barreiras linguisticas ou culturais.

    No fim do trajecto, a separação natural e o regresso à essencia, os locais dispersam cada um seguro da sua direcção na continuação da sua rotina, e os viajantes que ficam, perdidos na partilha das duvidas de um novo local. Encontrar outros de mochila às costas é como encontrar alguem conhecido, uma cumplicidade de estar perante as mesmas situações e fora do ambiente de conforto, um companheirismo independente da nação ou cultura. Trocam-se informações, negociamos como um todo, dividimo-nos pelos “Tuk tuk’s”. Ali, o objectivo era evidente, Xiang Chong era só o destino necessário para entrar no Laos. Um ponto de fronteira com esse especificidade tão apelativa – atravessar de barco o mitico rio Mekong.

    Há sempre tensão nas passagens de fronteira, demasiadas pessoas a interferir e informação que não se destingue da desinformação. Sela-se o visto da Tailândia num lado do rio, atravessa-se para carimbar do outro lado, no Laos. A habitual burocracia e papelada toda formal que somos obrigados a preencher, entre os viajantes confirmamos com cuidado se cumprimos com o requerido e pagar! De onde é que vem aquelas quantias dos vistos?! Porque é que um Português tem que pagar mais que um Francês ou Alemão. Até mais que alguem dos EUA! Pelo menos não sou canadiano, o lider da tabela, com uma cobrança de visto de 42 dolares… Dentro da cabine da alfandega, uns 10 oficiais, mas só um é que confere os documentos e a papelada que religiosamente preenchemos. Divide a atenção desse processo com a televisão, mais uma vez confirmo que tudo aquilo que preenchemos é uma fantochada e nunca ninguem há-de perder um segundo a ler aquilo. Tranquilo, carimbou, paguei, está feito. Funciona bem para os dois lados. Eu tenho o meu visto de entrada e ele o descanso de poder voltar a atenção para a telenovela.

    Huay Chey é a entrada de Laos. Um ponto estratégico dentro do “golden triangle” (uma área definida pela tripla fronteira e que era dos maiores centros de cultivo e produção de ópio – parece que – por causa de uma politica mais feroz por parte do governo Tailandes a produção abrandou…). Não que se sinta directamente, mas pesquisando sobre a história e relatos sobre o que (pelo menos) já foi esta zona, percebe-se que a “estranheza” deste local se deve a esse passado recente, esse peso de clandestinidade ainda existe. Numa vila que tenta actualizar-se e virar atenções para o turismo como principal fonte de receita.

    Desci, então, o Rio Mekong, numa viagem que dura dois dias até Luang Prabang. O Rio Mekong é uma das mais importantes vias de acesso e fonte de alimento e renda para todos os países que atravessa. Inicia ainda na China, atravessa o Myanmar, Tailândia, Cambodja e Vietnam. Consta que é depois do Amazonas o rio com maior biodiversidade do mundo. Interessante dado, já que é inevitável a comparação que faço com a Amazónia. Mas pouco há de parecido entre os dois cenários… Aqui o caudal é mais estreito e as margens mais montanhosas e humanizadas. Há muita actividade por parte das populações locais no rio. Vê-se tambem todo o género de vida animal: bufalos, javalis, veados, elefantes! Mas não deixa de ser uma longa viagem por um rio de barco e a memória, autonomanente, faz as relações com as recordações que me dizem tanto.

    O barco está longe de ser uma experiencia antropológica local. É um barco grande (quase) só com turistas. Critique-se o fenómeno, eu prefiro tomá-lo pelo lado positivo. É uma incrivel onda entre todos, conhecem-se pessoas dos mais variados sitios. Porque, e daí o Rutz, viajar neste “formato” não se trata só de conhecer a realidade local, passa a ser tambem pelas pessoas que se conhece. O facto de estarem a viajar, é logo um indicador de cumplicidade, de um mesmo interesse! Portanto a disposição de todos é muito aberta, sem desconfianças, toda a gente reage com um sorriso a uma saudação e retribui. Iniciam-se conversas facilmente e sem compromisso. Tanto se formam grupos e combinam-se os próximos passos, como cada um segue o seu rumo, sem que se fique com a sensação incómoda de compromisso.

    Neste barco formou-se um grupo muito bacano. Vamos continuando juntos enquanto faça sentido. A falta de hosteis, fica mais barato partilhar quartos e dividir nos transportes. Sem forçar nem deixar de fazer o que se quer em detrimento de outros, o pacto é feito sem que se necessite “negociar”. Partilham-se, entretanto, conversas sobre comida, sitios, livros, cinema, musica, historia, politica… E alargamos os nossos horizontes ao trocar ideias com pessoal de Israel, EUA, Holanda, Suecia etc… Aqui, em especifico, alguém partilhou a ideia de comprar um barco em Vietnanine e continuar a descer o rio Mekong, o entusiasmo alastrou-se como fogo em gasolina. Não sei se vai acontecer, nunca se sabe, a conversa que isso gerou durou toda uma tarde e promete ser real, já que neste contexto pessoas que se comprometem numa decisão, de forma geral, cumprem! Eu, obviamente, ja manifestei todo o meu apoio e disponibilidade para o quer que seja necessário. Chegámos a Luang Prabang e esse vai ser o nosso abrigo nos proximos pares de dias. Uma cidade que o Lonely planet promete como uma das mais emblemáticas do sudeste Asiático e de facto cumpre. Amanhã alugamos umas motas e vamos dar uma volta pelos arredores, consta que se tratam de cenários de paisagem incriveis (cascatas, grutas, etc.)…

    Mais capitulos a acrescentar nesta viagem pelos “confins do mundo”!



    Data: 2013